Coelhinho da Páscoa: uma doce ilusão
Eu devia ter uns dez a doze anos quando comecei a desconfiar dessa estória de coelhinho, mas demorei a engolir o fato de que um dia deixaria de ganhar ovinhos de Páscoa. É muito bom ser lembrado! É maravilhoso ser criança!
Meu pai carregava todos os defeitos de um pai, por conta da sua história de vida e da nossa péssima situação financeira, mas tinha bom coração e não media esforços para agradar os filhos. Apesar de tudo, eu e minhas irmãs tivemos uma infância feliz e sempre lutamos por uma vida melhor para nossos filhos e netos.
Durante parte da infância eu dormi no velho sofá da sala, encapado com napa – pele curtida de carneiro. Era chique na época em que tecido e couro bovino custavam os olhos da cara, algo distante da nossa dura realidade. O coelhinho da páscoa sempre foi uma doce ilusão.
O sofá era confortável, mas no verão eu quase incendiava debaixo de um cobertor Parahyba, que meu pai comprava aos montes da empresa em que trabalhava, a preço de custo, cujo valor era descontado em suaves prestações na folha de pagamento.
A única vantagem de dormir na sala era poder assistir tevê todas as noites. Eu via somente as imagens. Morria de medo de acordar meu pai e ele aparecer com o chinelo na mão.
Era Sábado de Aleluia, véspera da chegada do coelhinho da Páscoa. Eu estava disposto a surpreender o orelhudo, não o meu pai, mas o coelhinho. Eu sempre rogava ao papai do céu que enviasse um bichinho generoso, carregado de ovos, balas, pirulitos, geleia de mocotó e paçoquinha. Ovos de chocolate era privilégio de gente rica na época.
A noite prometia e o tempo demorou a passar. Meu pai deve ter desconfiado e esperou até tarde da noite para tomar a iniciativa de “botar os ovos”. Eu permaneci firme no propósito de desvendar aquele incrível mistério, que a maioria dos meus amigos já conhecia.
Amigos estraga-prazeres faziam questão de contar o segredo na véspera, mas eu ainda sustento a estória, sabendo que os filhos de hoje conhecem a realidade. Encanto e magia nunca se perdem. Minha avó paterna fez isso comigo até a última Páscoa, antes de morrer, e eu mantenho a tradição.
Certa vez ela me convidou para ir a uma festa de igreja e comprou um número para concorrer a prêmios na barraca do coelhinho. Eu torci para o bichinho entrar na casinha com o meu número. Na rodada em que fui premiado, o prêmio associado ao número era uma garrafa de cachaça.
Minha avó percebeu a decepção nos meus olhos e não sossegou até substituir o prêmio. Suas palavras ainda ecoam nos meus ouvidos: troca, moça, por favor, troca! Meu neto não pode levar uma garrafa de cachaça. E eu ali do lado, feito cachorrinho à espera do agrado. Acabei levando pra casa uma estatueta de São Benedito, o protetor dos negros, que guardo com carinho há mais de cinquenta anos.
A imagem daquele coelhinho da Páscoa continua impregnada na minha mente. Eu adoro esse bicho. Quando minha avó partiu desse mundo eu tinha seis anos, mas o fato não me sai da memória. Espero encontrá-la um dia, tão sorridente quanto antes, de braços abertos para me acolher.
De volta para o sofá, imaginei que o coelhinho houvesse desistido da ideia. Por volta de três ou quatro da manhã, o bicho decidiu aparecer, pé por pé. Confesso ter me assustado com o tamanho, embora eu estivesse meio sonolento. Nunca tinha visto um coelho moreno, de chinelo e pijama.
Debaixo do cobertor, suando muito, eu abri uma pequena fresta e deixei os olhos entreabertos. Foi um momento único, mágico e inesquecível. Assim que ele apareceu, com um prato cheio de ovos pequenos e doces, meu coração disparou.
O prato era parte de uma balança que minha mãe utilizava para pesar alimentos. Por um instante, eu só via o prato deslizando suavemente para debaixo do sofá. Contudo, fui capaz de controlar a ansiedade para não quebrar o encanto.
Logo que meu pai se retirou da sala, eu esperei alguns minutos e não consegui dormir antes de conferir a variedade de ovos e doces, um por um, em absoluto silêncio. Posso jurar que a felicidade custa pouco.
Ao me levantar, saí correndo da cama para mostrar o prato à minha mãe, que já estava de pé, com a mesa pronta para o café. Seus olhos brilhavam com a mesma intensidade dos meus, enquanto o coelhinho saboreava uma xicara de café ao lado do fogão, sem esboçar qualquer palavra, porém eu sabia, ele também estava feliz.
Espero que o seu Coelhinho da Páscoa seja bem gordo e recheado de amor a cada ano! Seja feliz com o que Deus lhe deu!
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