A origem do trabalho
Durante as minhas palestras eu costumo perguntar aos participantes se eles lêem a bíblia com frequência. A maioria afirma quem sim, então, para testar a eficácia da leitura alheia, eu lanço a segunda questão: o que está escrito no Livro do Genesis, capítulo 3, versículos de 16 a 20?
Por incrível que pareça, ninguém se lembra e embora eu o faça de maneira proposital e descontraída, o conteúdo dessa pequena passagem bíblica nos remete a uma análise profunda seguida e a uma reflexão ainda maior. Caso não se lembre ou não tenha esse costume, tomei a liberdade de transcrevê-la para refletirmos um pouco sobre o significado:
“E Deus disse à mulher: multiplicarei os teus trabalhos e teus partos. Darás à luz com dor aos filhos, e estarás sob o poder do marido, e ele te dominará. E disse a Adão: Porque destes ouvidos à voz de tua mulher e comeste da árvore de que te tinha ordenado que não comesses, a terra será maldita por tua causa; tirarás dela o sustento com trabalhos penosos todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tomado; por que tu és pó, e em pó te hás de tornar. E Adão pôs à sua mulher o nome de Eva, porque ela era a mãe de todos os viventes.”
Ainda que se trate de uma linguagem simbólica, creio que um universo limitado de pessoas faz ideia de como essa afirmativa bíblica influenciou a evolução humana nos últimos dois mil anos, no âmbito pessoal e profissional.
Durante milênios, a origem do trabalho ficou associadas às guerras, as quais também contribuíram para o pensamento negativo a respeito do trabalho. Quando os exércitos inimigos eram quase dizimados na sua totalidade, os soldados remanescentes acabavam obrigados a trabalhar como castigo por seu sinal de fraqueza.
Em geral, quando o soldado, agora escravizado, não queria fazer o que o novo patrão exigia, o senhor mandava tripaliare. Daí a origem da palavra, do latim tripaliare, o mesmo que torturar, derivado de tripalium, instrumento de tortura. Conheço muita gente que se refere ao trabalho como uma tortura.
Quando eu era pequeno, ouvia minha mãe repetir o tempo todo pelos cantos da casa: Meu Deus, que castigo! O que foi que eu fiz para merecer tudo isso? Naturalmente, ela não se referia apenas ao trabalho, mas a uma condição de vida desfavorável e uma coisa era consequência da outra.
Pensando melhor, eu devo ter contribuído bastante nesse sentido, pois, diga-se de passagem, na época eu era uma peste de marca maior e muitos dos seus cabelos brancos se devem ao meu comportamento, típico de menino levado.
A evolução e o sentido do trabalho devem muito a Martinho Lutero, líder da Reforma Protestante. Lutero entendia o trabalho como a base e a chave da vida e, para ele, a profissão resulta de uma vocação, sendo o trabalho o caminho religioso para a salvação, portanto, deveria ser visto como virtude e não como castigo.
Lutero quebrou parcialmente essa conotação distorcida dos fatos e a interpretação histórica dos acontecimentos elevando o conceito para um nível mais aceitável no Ocidente.
As consequências do trabalho
Leva tempo para a gente se tornar gente e o que conta mesmo é o tempo presente, mas ainda hoje nos lembramos em família daquele tempo como um período de grande aprendizado. As adversidades pelas quais minha família passou, em especial minha mãe, justificam, até certo ponto, essa ojeriza ao trabalho.
Quando não exercido dentro da sua vocação original, o trabalho tende a se tornar um fardo pesado para muitas pessoas. E por mais que tentem inverter o raciocínio para se adaptar a uma profissão, a natureza humana reluta em aceitar um papel diferente. Dessa forma, o conflito interior se instala.
Em outras palavras, a pessoa está ali porque não dispõe de alternativa menos dolorosa e acaba utilizando a experiência atual de trabalho como trampolim enquanto uma nova oportunidade não chega.
Particularmente, não vejo nenhum problema nisso, comum à maioria das pessoas. O problema está no comportamento adotado no período de transição, enquanto você não encontra a verdadeira vocação.
Caso não acredite, olhe ao seu redor, em cada ambiente que conhece, em cada loja que você compra, em cada restaurante que você come, em cada supermercado que você compra ou em cada repartição pública que você recorre.
Muitos profissionais estão ali somente para marcar presença, sem a mínima vontade de ser agradar, ainda que por um instante, ao menos na presença dos clientes. Estão ali por questão de sobrevivência.
A máxima do trabalho continua viva: enquanto você não faz o que gosta, esforce-se para gostar do que faz, caso contrário, a vida será um verdadeiro castigo, talvez uma tortura, à sua escolha.
Imagine-se no lugar do patrão ou do empreendedor, no qual você quer tanto se transformar, tendo que administrar a insatisfação alheia e a má vontade dos colaboradores.
Profissionais são contratados para defender os interesses da empresa e ainda que odeiem o trabalho, os clientes nada têm a ver com isso. Essa é uma razão simples pelas quais as pessoas não se desenvolvem e as empresas não prosperam.
Quantas vezes você já escutou a famigerada expressão: meu nome é trabalho? Ouvi centenas de vezes, em diferentes empresas, algumas por hipocrisia, outras por conveniência ou gozação e outras porque realmente encontrei pessoas movidas a trabalho.
Quando não há exagero, essa última classe é admirável. Faço parte dela, com muito orgulho, e há uma distinção enorme entre profissionais admiráveis e profissionais alienados, capazes de levar o colchão para a empresa, a fim de não perder o horário do dia seguinte.
O sentido do trabalho
O trabalho dignifica o homem, mas divertir-se trabalhando é uma meta de longo prazo. Dedicar-se com afinco e gostar do trabalho, seja qual for o cargo ou a função, é um desafio maior ainda, mas você nunca deve deixar de persegui-lo. Se não estiver integrado ao trabalho, você sofre e faz os outros sofrerem.
Em geral, coisas boas vêm para aqueles que continuam trabalhando com alegria e dedicação enquanto perseguem uma situação mais justa e confortável, alinhada com o seu propósito de vida. Tem que haver sentido no trabalho.
Quando você conhece a sua verdadeira natureza e compreende o seu verdadeiro eu, o trabalho se torna um instrumento de paz e de crescimento interior, jamais um castigo ou uma tortura. Portanto, antes de perguntar o que você vai ganhar com isso, pergunte sobre como você pode ajudar. Garanto que as transformações serão inevitáveis e positivas.
Como dizia Albert Camus, filósofo francês, não existe dignidade no trabalho quando nosso trabalho não é aceito livremente. Pense nisso e seja bem mais feliz!
Sempre vos disseram que o trabalho é uma maldição e a labuta uma infelicidade. Mas eu vos digo que, quando trabalhais, cumpris uma parte do sonho mais profundo da terra que vos foi designada quando o sonho nasceu; e mantendo vosso trabalho, em verdade estais mantendo a vida; e amar a vida através do trabalho é manter-se íntimo do maior segredo da vida; e todo o trabalho é vazio, a não ser que haja amor; e quando trabalhais com amor, vos ligais a vós mesmos, e aos outros, e a Deus.
Agora você já conhece a origem, qual o significado para você? Deixe o seu depoimento e ajude a enriquecer o conteúdo do site.
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