Origem da empresa familiar
O mito da empresa familiar foi construído ao longo da história sobre uma infinidade de sucessos e fracassos de milhares de empresas na face da Terra. Caso não saiba, as empresas familiares respondem por mais de 95% do total de empresas existentes no planeta.
Uma casta de empreendedores e, respectivamente, seus sucessores, foi capaz de perpetuar os negócios por várias gerações pelo fato de ter atribuído ao negócio um sentido mais amplo do que as emoções afloradas no seio da família e da empresa familiar.
Eles acreditaram muito na sua missão de vida na própria capacidade de realização. Isso foi além dos fortes laços pessoais com a organização inicialmente concebida por eles.
Durante muito tempo, o fundador foi associado ao patriarca enérgico, de pulso firme, centralizador, dono da razão e ao mesmo tempo o “paizão” cujo papel e poder de decisão eram determinantes no rumo da empresa.
Embora essas características sejam latentes nas empresas familiares, a administração moderna tem contribuído bastante para reduzir as estatísticas das empresas onde o fundador ainda vive o papel do “todo poderoso”.
Uma boa parte deles já se convenceu de que o sucesso passado não mais garante o sucesso futuro e, por conta da própria necessidade de mudança, estão sendo praticamente obrigados a distribuir o poder e a preparar melhor os filhos para uma possível sucessão.
De acordo com John Davis, especialista empresas familiares, os líderes são todos superprotetores em relação ao patrimônio construído e críticos quanto às habilidades e à lealdade alheias. Eles tendem a enfatizar a lealdade em seus relacionamentos e a controlar os outros em excesso, apesar de nunca admitirem esse fato e se julgarem acima de tudo isso.
O mito da empresa familiar é tão antigo quanto a própria família e sua importância é a mesma desde o princípio da humanidade, pois nada existe de mais primário do que a confluência entre família e trabalho.
As primeiras empresas eram familiares e nasceram da necessidade de fixação na terra e sobrevivência, da organização das sociedades primitivas, da característica nômade dos primeiros seres humanos na face da Terra.
De maneira geral, surgiam em cada pedaço chão utilizado para constituir família e prover a subsistência, na permuta do excedente de produção dos senhores feudais e dos atravessadores que viam no excedente uma possibilidade de ganho.
Problemas típicos da empresa familiar
Empresas familiares estão sempre envolvidas em questões emocionais e afetivas e os membros geralmente não têm interesse, vocação ou ainda formação necessária para administrar o empreendimento. Conheço filhos que tem horror do negócio da família embora tenham sido educados e sustentados a partir disso.
Contudo, é a família que detém a propriedade do capital, o que a torna responsável pelas decisões que envolvem o comando dos negócios de forma direta ou de forma delegada a outros membros de sua inteira confiança, quase sempre parentes ou amigos mais próximos.
Em pleno Século 21, muitos fundadores não sabem como preparar os filhos para a sucessão. Esquecem o fato de que a herança deixada para eles será uma sociedade familiar, composta por irmãos, primos, genros, noras e outros parentes indiretos.
Inconscientemente, todos são agregados ao negócio na medida em que empresa cresce, com um cargo figurativo, bem remunerado, quase vitalício já que na empresa familiar é mais difícil demitir filhos e parentes.
Apesar de óbvio, empresa familiar não é família. Poucos herdeiros e sucessores têm consciência disso. Diversas empresas familiares com as quais tive a oportunidade de conviver durante a minha experiência como consultor esforça-se para ser diferente perante o público. Boa parte delas esbarra naquilo que John P. Kotter denomina de “As Fontes de Complacência”, onde nem tudo é permitido, mas acaba tolerado e encobre níveis altíssimos de incompetência e desmandos de qualquer natureza. Quando acordam para a realidade, a recuperação é praticamente impossível.
O fato de o fundador ter estimulado os filhos a acompanharem os negócios desde a infância não os transforma em potenciais empreendedores nem administradores. Naturalmente, os filhos têm habilidades que podem ser herdadas, mas são pessoas diferentes, com objetivos, desejos, aptidões e, em muitos casos, universos completamente diferentes.
Dessa forma, os conflitos são inevitáveis e quando estes afloram na organização, instala-se um processo destrutivo irreversível que tende a arruinar o patrimônio de todos e a provocar feridas que não se curam durante uma vida inteira.
Existe ainda o desestímulo aos profissionais que não são da família, os quais, apesar da dedicação, acabam frustrados por não poder competir com membros do clã e ocupar cargos de maior importância.
A partir da entrada do conflito no cenário organizacional, o bom-senso é atropelado pelo jogo de poder e interesse que envolve os membros da empresa familiar. Muitas acabam sendo negociadas por um valor muito inferior ao seu valor de mercado, pois os membros não se entendem quanto ao preço e ao percentual de cada um. Em certos casos, o orgulho “quebra” a empresa porque ninguém quer “dar o braço a torcer”.
Ao fim do conflito, o que sobra é muito pouco, quando sobra algo. Os laços familiares tornam-se cheios de mágoa e o sobrenome da família, o qual era capaz de abrir portas, transforma-se num fardo difícil de ser carregado.
Um dos maiores erros que alimentam o mito da empresa familiar é manter pessoas inadequadas para ocupar cargos importantes na organização. Isso traz consequências irreversíveis, portanto, o ideal é profissionalizar a empresa com membros preparados ou, prioritariamente, do mercado. Portanto, o fundador deve discutir abertamente com os herdeiros essa possibilidade sob pena de ter os sonhos e as aspirações interrompidas abruptamente.
De maneira geral, os principais problemas enfrentados pelas empresas familiares são:
- Conflito entre as necessidades de dinheiro da família e as da empresa;
- Desenvolvimento e profissionalização dos acionistas;
- Incapacidade do líder da empresa e da família de sair na hora certa;
- Dificuldade de obter capital para crescer sem diluir a participação das famílias proprietárias;
- Rivalidade entre os sucessores: primos, irmãos, genros etc.
- Incapacidade de atrair e reter sucessores da família competentes e motivados;
- Falta de habilidade para criar congruência cultural apropriada;
- Necessidade de transferir patrimônio de uma geração para outra.
O futuro da empresa familiar
Empresas familiares que desejam se perpetuar precisam ter em seus quadros profissionais arrojados e empreendedores. Muitas famílias não sabem como enfrentar a sucessão nas empresas e outras carregam dúvidas se desejam manter a característica de empresa.
Dessa forma, cabe aos fundadores, e ao conselho de família se houver, demonstrar aos filhos que a sobrevivência da empresa é a prioridade para o bem de todos. Ela vem muito antes do orgulho, dos interesses pessoais e do dinheiro.
As empresas nascem, originalmente, no âmbito familiar e resultam do desejo dos filhos de livrar-se das “asas do pai e da mãe” para construir algo por iniciativa própria, consciente de todos os riscos que o negócio pode proporcionar. Quando o empreendimento toma proporções gigantescas, a empresa torna-se um organismo vivo, com vontades próprias e seu destino não depende mais do criador.
Infelizmente, milhares de empresas familiares desaparecem todos os anos, por razões muito simples: excesso de orgulho, falta de humildade para buscar ajuda e insistência equivocada do fundador em acreditar que um dia, se Deus quiser, as coisas vão melhorar.
Contrário à sua vontade, chegará o dia em que o próprio fundador não será mais o dono da empresa. Os verdadeiros donos serão o resultado, o fluxo de caixa e a ambição dos filhos e agregados. Portanto, se a empresa for gerida de forma irresponsável, a falência e desaparecimento serão a sua punição.
Quando isso acontece, não há unidade familiar que resista, pois dificilmente alguém assume a culpa. Na maioria dos casos, o orgulho fala mais alto e o mito da empresa familiar acaba sendo alimentado sem necessidade.
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Leia o meu artigo Sucessão na empresa familiar: a coragem de transferir o comando
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