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Empreendedorismo por necessidade

Introdução

O Brasil é conhecido por ser um país com expressivo número de supostos empreendedores embora o termo empreendedorismo por necessidade seja pouco conhecido.

O altruísmo brasileiro, aliado às conjunturas econômicas e sociais, favorece o ambiente para a criação e proliferação de empreendimentos, disseminados por todas as regiões do país.

A todo instante, se contabilizam novos empreendedores, se é que podem ser chamados assim, de diferentes perfis, anseios, aspirações e características peculiares ao Brasil, apresentando negócios próprios. O retrato desse esforço é feito anualmente pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM) que em 2005 consolidou os dados do setor em 37 países.

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Em números absolutos, o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking mundial do empreendedorismo, tendo registrado mais de 13 milhões de brasileiros envolvidos com algum tipo de negócio próprio, mas a grande realidade é que a qualidade do nosso empreendedorismo é relativamente baixa.

É fato também que nem todos têm aspiração de gênio, ganham rios de dinheiro e conquistam a fama. De acordo com o relatório do GEM (2005), 47% dos negócios abertos no Brasil em 2005 foram por necessidade, o que talvez demonstre uma das razões pela qual o índice de mortalidade das empresas é alto.

O relatório afirma também que a motivação dos empreendedores iniciais tem se mantida praticamente inalterada ao longo dos anos. Embora a maioria dos empreende dores seja orientada por oportunidade, a presença daqueles que empreenderam por necessidade é bastante alta se comparada à maioria dos países participantes da pesquisa, considerando que o Brasil ocupa a 4ª posição no ranking de empreendedorismo por necessidade.

Um dos principais problemas é a falta de condições estruturais, como meios de transportes e de comunicações, sistema tributário e programas de governo de apoio à iniciativa empreendedora. Além disso, a precariedade das condições estruturais tem impacto direto no perfil das empresas brasileiras, fazendo, por exemplo, que 70% dos empreendimentos não cheguem ao quinto ano de atividade, de acordo com informações do Sebrae.

Empreendedorismo na Pós-Modernidade

O fenômeno da globalização e da Internet mudaram radicalmente a forma de as empresas fazerem negócios e se prepararem para competir num mercado cada vez mais dinâmico, em permanente estado de mudança.

A redução dos postos de trabalho formais, da maneira como foram concebidos após a Revolução Industrial, tem obrigado os governos de vários países a canalizar esforços para criação de novas alternativas de geração de emprego e renda a fim de acomodar a grande massa de trabalhadores lançados à sorte diariamente no mercado de trabalho.

Uma das conseqüências da globalização dos mercados foi o aumento considerável do índice de desemprego, principalmente nas cidades mais desenvolvidas e regiões metropolitanas, onde a concentração de empresas é maior, portanto, foco de atenção das autoridades locais preocupadas com a massa visível de desempregados oriundos da falta de alternativa no mercado formal de trabalho.

Diante das poucas alternativas, os trabalhadores em geral aventuram-se em negócios por conta própria e risco, impulsionados pela necessidade de sobrevivência, mesmo sem a devida experiência no ramo, utilizando-se de parcas economias resultantes das indenizações de trabalho, fundos de garantia e empréstimos bancários ou no meio familiar em nome da dignidade e do desejo de reconhecimento perante a sociedade.

Quando percebem, esses profissionais já estão do outro lado, atuando como patrões e não mais como empregados, segundo Dornelas (2001, p.15), optando pela economia informal, porém são desmotivados pela falta de crédito, excesso de carga tributária e pressão financeira provocada pelas altas taxas de juros que inibem os investimentos e ainda sugam a motivação dos pequenos e médios empreendedores.

De acordo com Gray (2005, p.208) nada é mais estranho à presente era do que o ócio. Ao termos uma idéia tão elevada a respeito do trabalho, somos aberrantes. Poucas outras culturas alguma vez fizeram isso. Por quase toda a história e pré-história, o trabalho era uma indignidade, uma das razões pela qual era conferido aos escravos, geralmente membros remanescentes dos exércitos inimigos derrotados.

A necessidade de sobrevivência e reconhecimento numa sociedade altamente seletiva e discriminadora é o grande desafio do ser humano em qualquer lugar do planeta. Aqueles para quem a vida significa ação vêem o mundo como um palco no qual seus sonhos podem ser representados.

Nesse sentido, a ação é representada por uma completa submissão à utopia do capitalismo, disfarçado de boas intenções e em nome de um suposto desenvolvimento, suga a esperança dos trabalhadores que ainda resistem no mercado formal de trabalho e obrigado os trabalhadores informais a continuar labutando como Sísifo.

Como afirma Gray (2005, p. 208), se pensamos em descansar de nossos labores, é apenas para poder voltar a eles. No mito grego, Sísifo lutar para rolar uma grande pedra para o cimo de uma colina, que então rola pelo outro lado abaixo e deve ser reconduzida. Para os antigos, o trabalho infindável era a marca de um escravo e os labores de Sísifo eram uma punição.

Karl Marx considerava o trabalho a mola propulsora do desenvolvimento humano, o que significa dizer que não existe homem sem trabalho nem trabalho sem o homem.

A eterna preocupação do ser humano com ato de realizar alguma coisa, ora por questão de sobrevivência, ora por questão de realização, faz com que a maioria dos homens prefira a escravidão da segurança ao risco na independência, segundo Mounier (1976, p.107), o pai do personalismo.

De acordo com Safatle (2004), uma das grandes utopias da modernidade foi a possibilidade de efetivação daquilo que poderíamos chamar de “política da felicidade”, inspirada no primeiro parágrafo da Declaração que precede a Constituição Francesa de 1793, onde se afirmava: o objetivo da sociedade é a felicidade geral (bonheur commune) e o governo é o seu defensor.

A promessa de realização de uma política da felicidade não causa surpresa, mas é praticamente impossível ser cumprida. Freud afirmava que grande parte das lutas da humanidade centraliza-se em torno da tarefa única de encontrar uma acomodação conveniente, ou seja, um compromisso (ausgleich) que traga felicidade entre reivindicações individuais e culturais; e um problema que incide sobre o destino da humanidade é o de saber se tal compromisso poder ser alcançado através de uma formação determinada da civilização ou se o conflito é irreconciliável.

Particularmente, entendo que a opção empreendedora está associada à eterna busca da felicidade, não necessariamente dinheiro e conforto material, mas uma aparente condição de segurança enquanto lhe restar um sopro de vida.

A diferença, nesse caso, é que a felicidade não é objeto de promessa política ou de literatura específica, mas da própria concepção de que “Deus ajuda quem cedo madruga”, atribuindo a uma divindade superior o fracasso ou o sucesso do seu empreendimento. Empreendedorismo por necessidade demanda singularidades ainda muito mal compreendidas pelo ser humano.

Gray (2005, p.209) afirma que o progresso condena o ócio e o trabalho para liberar a humanidade é vasto, na verdade, é ilimitado, dado que, quando se alcança um platô de realizações, um outro se assoma. Se considerarmos o trabalho com o meio legítimo para suprir as necessidades de bens materiais, ao longo da vida, a verdade é que ele não dá mais conta de tamanha responsabilidade, pelo menos para a grande maioria da classe trabalhadora. A certeza da permanência numa empresa por vinte ou trinta anos já não existe mais. A possibilidade de criação de laços afetivos duradouros, empregos vitalícios e conforto permanente deram lugar às incertezas da pós-modernidade.

Em ambientes altamente competitivos, as identidades de trabalhadores, além de acompanharem a velocidade das mudanças, se moldam às necessidades dos interesses na manutenção do emprego, nas promoções, a qualquer preço. Nas empresas de grande e médio porte, a política de não criar vínculos empregatícios tem sido adotada com maior freqüência a cada momento.

Contudo, a terceirização foi um dos caminhos encontrados pelos gestores como forma de não se estabelecer vínculos trabalhistas com os empregados, de oxigenar a mão de obra, de reduzir despesas e, consequentemente, de aumentar a lucratividade, mantendo assim a corrente filosófica do capitalismo.

O Estado, por sua vez, com sua estrutura faraônica, encolheu o seu raio de atuação social e impulsionou seus objetivos pró-capitalistas, em nome do neoliberalismo, promovendo privatizações em série e passando a atuar como simples regulador dos mercados ainda que o faça de maneira equivocada.

Ao se desfazer das estatais, milhares de trabalhadores perderam seus empregos em decorrência da necessidade de os novos donos tornarem suas empresas mais rentáveis e competitivas no mundo globalizado.

A pós-modernidade trouxe rupturas, mas também trouxe preocupações, ou seja, tudo é possível, quase nada é certo. Esse pressuposto reafirma a velha máxima de que a única certeza visível é a mudança e faz com que a humanidade – se é que ela existe – caminhe sem planos, sem futuro, sem a mínima noção de Sustentabilidade, rumo a um futuro incerto, sombrio, desconhecido.

Conclusão

Parafraseando Gray (2005, p.208), a vida não é encontrada em sonhos de progresso, mas no lidar com trágicas contingências. Fomos criados em religiões e filosofias que negam a experiência da tragédia. Podemos imaginar uma vida que não seja baseada nos consolos da ação? Ou somos tão frouxos e reles que não conseguimos nem mesmo sonhar com viver sem eles?

Jogadores apostam por mera brincadeira, mas tal premissa não é válida para o empreendedor. No caso do empreendedor, a perda significa dor, humilhação, um certo sentimento de impotência perante as dificuldades do mundo, muitas vezes uma pulsão de morte.

Fazer o que gosta e gostar do que faz são pressupostos que caminham em lados diametralmente opostos. Nesse sentido, a retórica pós-moderna insiste no fato de que a felicidade por completo só se consuma mediante a plena realização da vocação.

Embora espelhe uma certa verdade, não pode ser realizada por completo nem fomos educados para pensar assim, infelizmente. Somos escravos da tecnologia que não se submete à vontade de ninguém.

Encontrar um alívio no trabalho por conta própria seria a solução para os problemas do ser humano, mas isso é privilégio de poucos. O self que luta para dominar o mundo é apenas um lampejo na superfície das coisas, de acordo com Gray (2005 p.212).

Buscar um sentido para a vida pode ser uma terapia útil, e talvez a mais importante, mas não tem nada a ver com vida do espírito. Outros animais não precisam de um propósito na vida. O ser humano, ao contrário, não pode passar sem um, o que lhe confere o eterno sacrifício de Sísifo.

A maioria dos empreendedores por necessidade assume esse eterno sacrifício enquanto não encontra o verdadeiro sentido da realização.

Referências:

  • DORNELAS, José Carlos Assis. Emprendedorismo: transformando idéias em negócios. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
  • FRIDMAN, Luis Carlos. Pós-modernidade: sociedade da imagem e sociedade do conhecimento. Hist.cienc.saude-Manguinhos, Out 1999, vol. 6 no.2, p.353-375. ISSN 0104-5970.
  • GRAY, John. Cachorros de palha. Reflexões sobre humanos e outros animais. Rio de Janeiro: Record, 2005.

Consultas na Internet:

  • MORAES, Jussara Malafaia. Na mira da pós-modernidade. Disponível em: www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br Acesso em 21.04.2006
  • SAFATLE, Vladimir. Pós-modernidade: utopia do capitalismo. Disponível em: http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos Acesso em 21.04.2006

Quer saber mais? Leia o meu artigo Empreendedorismo em 10 liçoes

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