No fundo das aparências
Dizem que as aparências enganam e com o intuito de enriquecer esse artigo, tomei a liberdade de me basear no livro do sociólogo Michel Maffesolli, renomado professor da Sorbonne (Universidade de Paris). É um livro que cada centavo investido, embora não seja possível encontra-lo tão facilmente.
Vale a pena discorrer um pouco mais sobre o lado vazio, e ao mesmo tempo repugnante, daquilo que o autor denomina de formismo (identidades e relações construídas a partir da aparência), crise de identidade e espetacularização do corpo.
Antes, porém, quero contar uma pequena história, com “h” mesmo, a fim de facilitar o entendimento e invocar a reação necessária para uma mudança consistente de pensamento.
Há pouco mais de 30 anos, eu recebi a minha primeira promoção, numa companhia multinacional do petróleo. Depois de centenas de recomendações, horas e de treinamento e muitos votos de sucesso, elaborei um amplo roteiro de visitas.
Em menos de duas semanas, eu passei a visitar cliente por cliente, posto por posto, revenda por revenda, dentro da minha área de atuação, em busca do reconhecimento profissional. Era o sonho de muitas pessoas na época.
A primeira visita comercial você nunca esquece, seja qual for a razão: ansiedade, expectativa, inexperiência, nervosismo, pressão ou coisa que o valha.
Quando eu cheguei ao primeiro posto de serviços, próximo a Curitiba, estacionei o carro, apanhei minha pasta com cheiro de couro novo e me dirigi ao primeiro individuo que encontrei pelo caminho.
Eu queria reconhecer o terreno e ao mesmo tempo localizar o proprietário do estabelecimento. A imagem não era das melhores, mas era a única alternativa naquele momento.
Quando eu vi aquele indivíduo metido num macacão de corpo inteiro, barriga à mostra por falta de um botão, cabelos despenteados, chinelos de dedo, mãos sujas de poeira, pensei comigo: esse deve ser algum funcionário relaxado.
Apreensivo, eu me aproximei fui direto ao assunto: Gente boa, sabe me dizer se proprietário do posto está por aqui? Rapidamente, ele me olhou atravessado e, munido de sarcasmo, disparou com aquela voz cantada de matuto: É claro que sei, está falando com ele!
Fiquei pasmo. Quase caí na tentação de dizer a ele algo do tipo “você tá brincando” ou ainda “era só o que me faltava”, mas consegui segurar a língua. Enquanto me refazia do susto, ele tratou de amenizar o impacto: – Você é o Jerônimo da Texaco! Sou eu mesmo – repliquei com um sorriso sem graça.
Em questão de segundos, ele se desligou do que estava fazendo, me convidou para ir ao escritório, lavou as mãos e o rosto e, mediante um gentil aperto de mãos, embalamos longamente num inesquecível bate-papo. Durante a conversa, devoramos algumas fatias de bolo e uma jarra de suco de laranja, que ele mandou preparar para nós.
As aparências enganam
Aos 23 anos de idade, eu começava a entender o significado da palavra prejulgamento, do valor equivocado da percepção, baseada em modelos mentais, e da correlação entre preconcepção, ausência de bom-senso e discriminação.
Elas caminham juntas, em sintonia fina. Se não houver cuidado de nossa parte, estarão sempre disponíveis para destruir a reputação e a imagem daqueles que não se enquadram em nosso frágil sistema de valores.
Agora, pasme! Aquele grande sujeito é um símbolo de prosperidade mais e hoje possui uma das maiores rede de postos de serviço do sul do país, a Rede de Postos Pelanda, além de ter se tornado um dos melhores empreendedores do ramo.
E, a julgar pela sua inesquecível aparência de Zé Ninguém, devo lembrar que eu o confundi com um simples empregado, um sujeito qualquer, alguém que a natureza não havia sido capaz de favorecer, mas as aparências enganam.
No fundo das aparências, as coisas são o que são e, ao mesmo tempo, nunca são aquilo que aparentam ser. Por trás de um belo sorriso, de um corpo escultural, de uma aparência saudável e atraente ou de uma fortuna incalculável, existem mais mistérios do que a nossa vã filosofia pode imaginar.
De acordo com Malcom Gladwell, autor de Blink, Fora de Série e Ponto de Desequilíbrio, entre outros livros maravilhosos do autor, Warren G. Harding era um homem alto, bonito e dotado de um charme capaz de arrebatar os corações femininos em menos de cinco segundos. Será que as aparências enganam?
Contudo, Harding foi considerado pelos historiadores um dos piores presidentes que os Estados Unidos já tiveram. Ao contrário de Harding, Abraham Lincoln era um homem de estatura baixa, sorrido fechado e nunca impressionou alguém pela sua imagem. Depois da sua morte, até seus inimigos o reverenciaram pela grandeza de espírito e abnegação, virtudes que o transformaram numa das figuras históricas mais admiradas do mundo.
Marilyn Monroe, nascida Norma Jean Baker, tinha medidas perfeitas, distribuídas em 1,67 m de altura, 94 cm de busto, 61 cm de cintura e 89 cm de quadril. Suas curvas e lábios carnudos a tornaram mais do que um símbolo sexual na década de 1950.
Sua aparente inocência e doce vulnerabilidade escondiam uma personalidade frágil e misteriosa, incapaz de livrá-la de um destino trágico e irreversível, provocado por uma overdose de barbitúricos.
Diferente de Marilyn, Madre Teresa de Calcutá era baixinha, carrancuda e nunca impressionou alguém pelas medidas do seu corpo. Sua dedicação aos pobres da periferia de Calcutá e o seu propósito de vida a tornaram uma pessoa especial, reverenciada e aplaudida nos quatro cantos da Terra
No fundo das aparências, as aparências enganam. Deve existir muito mais dentro de cada pessoa do que aquele corpo escultural moldado a bisturi, do que o cenho cerrado incapaz de abrir um sorriso, do que o sorriso falso estampado na capa de uma revista, do a sinceridade beirando a hipocrisia.
Não estou afirmando que devemos assumir um otimismo ingênuo, algo do tipo “todos são lindos e gentis”, nem de adotar um pessimismo radical, do tipo “todos são ridículos e hipócritas”. Essas concepções são parciais e limitadas, que induzem ao preconceito e ao prejulgamento.
No fundo das aparências deve existir um ser humano dócil, meigo, criativo, um homem ou uma mulher comum, de quem nada se tirou e a quem nada se acrescentou, como diria Abraham Maslow, psicólogo norteamericano.
Portanto, aqui vão algumas sugestões para ajudá-lo a se tornar uma pessoa melhor e, dessa forma, um profissional, um pai, uma mãe e um filho melhor. Se as aparências enganam, quem deve tomar cuidado somos nós e não os que são submetidos ao julgamento alheio.
- Reconheça que as aparências podem ser enganosas e que suas primeiras impressões podem não ser precisas.
- Esteja disposto a suspender o julgamento e manter uma mente aberta até obter informações mais completas.
- Evite fazer suposições baseadas em estereótipos, preconceitos e livre-se dos rótulos.
- Faça perguntas e busque informações adicionais antes de formar uma opinião.
- Pratique a empatia e tente se colocar no lugar da outra pessoa para entender melhor sua perspectiva.
- Admita que todos têm suas próprias experiências e bagagens, que podem influenciar suas aparências e comportamentos, e isso pode não refletir quem são verdadeiramente.
- Tente focar nas ações e comportamentos das pessoas, em vez de focar em suas aparências; isso pode ajudar a entender melhor quem elas são e evitar prejulgamentos.
Nas palavras de Lao Tsé, filósofo chinês, as coisas não mudam, portanto, mude sua forma de vê-las e isso bastará.
Gostou? Comente, compartilhe, retribua por todo conhecimento adquirido.
Quer saber mais? Leia o meu artigo O que é discernimento?
Conheça o meu Canal no Youtube. Clique em Jerônimo Mendes
Visite minha página na Amazon e conheça meus livros: Livros Jeronimo